No ano de 2017, a Suprema Corte julgou o Tema 69/STF, uma das matérias tributárias com maior impacto aos cofres públicos nos últimos anos. Nesse julgamento, restou decidido que o montante pago pelo contribuinte, a título de ICMS, não deve integrar a base de cálculo das contribuições destinadas ao PIS e à COFINS.
Em síntese, o entendimento do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que o ICMS não configura uma receita da empresa, mas sim do Fisco. Por conseguinte, considerando que a base de cálculo do PIS e da COFINS deve ser composta pela receita ou faturamento da empresa, e que o ICMS representa um acréscimo patrimonial ao Estado, e não ao contribuinte, decidiu-se pela exclusão desse tributo da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Embora o julgamento do Tema 69/STF tenha ocorrido apenas em 2017, a discussão sobre o tema é antiga, com processos protocolados ainda no final do século passado. Em tal contexto, considerando a delonga que um processo enfrenta antes de transitar em julgado, tem-se que muitas empresas contavam com o direito de restituição dos últimos cinco anos, a contar de sua propositura, bem como do montante que foi pago no decorrer da discussão judicial, sendo que algumas ações perduraram por mais de 10 anos.
Estima-se que somente a Petrobrás teria uma quantia estimada de R$ 4.4 bilhões a ser restituída.
Pois bem, em que pese o Código Tributário Nacional prever a possibilidade de restituição dos valores pagos indevidamente, observado o prazo prescricional de cinco anos, a contar da propositura da ação, a Fazenda Nacional opôs embargos de declaração em face da decisão da Suprema Corte. A perspectiva da Fazenda Nacional, naquele momento, era de ao menos modular os efeitos da decisão do Tema 69/STF. Dentre as alegações da União, ressaltou-se o impacto econômico que o reconhecimento à restituição do tributo pago indevidamente pelos contribuintes causaria aos cofres públicos.
Sucessivamente, no dia 29 de abril de 2021, quando do julgamento dos embargos declaratórios, o STF decidiu por modular os efeitos da decisão proferida no Tema 69, para o fim de limitar o alcance temporal do montante a ser restituído à data do julgamento da questão pelo STF para as ações propostas posteriormente. Com isso, os contribuintes que haviam ajuizado ações antes de 15 de março de 2017, data em que julgado o RE nº 574.706, poderiam reaver os valores pagos indevidamente sem serem impactados pela modulação. Por outro lado, aqueles que ingressaram com ações após essa data, somente poderiam recuperar os valores recolhidos indevidamente após 15 de março de 2017.
A modulação de efeitos de uma decisão está prevista no artigo n. 27 da Lei n. 9.868/99, e no artigo n. 927, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015. Trata-se de uma ferramenta jurídica que possui como objetivo limitar os efeitos temporais de decisões judiciais. Por meio dela, é possível estabelecer a partir de qual data os contribuintes podem reaver valores pagos indevidamente.
Verifica-se que, embora o contribuinte frequentemente esteja sujeito ao recolhimento de tributos de forma inconstitucional, e apesar de existir previsão legal para a restituição desses valores (artigo n. 165, I, CTN), o Poder Judiciário possui poderes para limitar ou impedir a repetição do indébito.
Sobre o tema, é importante destacar que, antes do julgamento do Tema 69/STF, a modulação de efeitos era uma prática pouco usada em matéria tributária. Todavia, após esse julgamento, a modulação passou a ser utilizada com maior frequência, criando um cenário de incerteza para as empresas, que, embora tenham pago valores indevidamente, se veem impedidas de reavê-los devido às limitações impostas pela modulação.
Outro questionamento levantado após o julgamento dos embargos de declaração diz respeito à possibilidade de os contribuintes que pleitearam a repetição de valores após a conclusão do julgamento do Tema 69, mas sem observar a modulação dos efeitos, estarem sujeitos à propositura de ações rescisórias.
Em tal contexto, no dia 11 de setembro de 2024, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que a Fazenda Nacional tem o direito de ajuizar ação rescisória em face das decisões que não observaram a modulação de efeitos estabelecida pela Suprema Corte. Na prática, isso significa que apenas os contribuintes que ajuizaram ação antes de 15 de março de 2017 têm o direito de restituir valores pagos indevidamente anteriores a essa data.
Portanto, em que pese inúmeros contribuintes tenham obtido decisões procedentes em processos que transitaram em julgado, atualmente a União vem ingressando com ações rescisórias, para o fim de reformar sentenças de processos protocolados após a data em que julgado o RE nº 574.706, e que permitiram ao contribuinte a restituição dos valores referentes aos cinco anos anteriores ao protocolo da ação.
Por fim, é importante esclarecer que, assim como ocorreu com a decisão proferida no Tema 69/STF, existem diversas oportunidades no âmbito tributário que permitem aos contribuintes pleitear a restituição de quantias significativas.
Além do mais, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 995.227, o contribuinte que possui decisão favorável, com trânsito em julgado, em matéria tributária, está resguardado pela regra da anterioridade tributária.
Isso significa que, mesmo que a Suprema Corte altere o entendimento sobre o tema em sede de repercussão geral, o contribuinte não será obrigado a devolver valores já restituídos nem a recolher o tributo imediatamente com base na nova decisão. Ele poderá se beneficiar dos prazos estabelecidos pela anterioridade anual ou nonagesimal, conforme a natureza do tributo em questão, garantindo maior segurança jurídica.